segunda-feira, 14 de junho de 2010

A OBESIDADE INFANTIL NO BRASIL

A OBESIDADE INFANTIL NO BRASIL


Artigo Acadêmico
Odilon Manske  03/04/2008


RESUMO

A alimentação no ambiente escolar quase sempre é relacionada com a merenda escolar, porém deveremos aproveitar esse espaço importante enquanto ferramenta pedagógica, incorporando o tema alimentação como conteúdo fundamental e interdisciplinar, cujo objetivo deveria ser o de capacitar o educando enquanto agente questionador, transformador e inovador. Esse estudo traz à tona a realidade da merenda escolar hoje, sob a luz de uma nutrição balanceada, propondo mudanças significativas na sua composição.

Palavras-chave: Escola; Merenda; Nutrição.


1 INTRODUÇÃO

A obesidade infantil no Brasil e no mundo vem tomando proporções que beiram a uma epidemia, em que os reais desdobramentos a sociedade já experimenta hoje. Além dos inúmeros problemas relacionados com a saúde e os respectivos custos aos cofres públicos, podemos citar ainda os efeitos negativos em forma de depressão e perda de auto-estima das crianças acometidas desse mal.

Na perspectiva da evolução biológica dos seres humanos, tentaremos desvendar o verdadeiro vilão desse mal que atinge proporções descomunais na sociedade contemporânea e tentar apontar possíveis soluções para este problema. Ou seja, elucidar o papel dos genes na questão da obesidade e por outro lado discorrer sobre os fatores do meio no qual a sociedade atual está inserido.

No apontamento de sugestões, tentaremos evidenciar o papel do Estado, da família e da escola no possível abrandamento da situação atual.

Analisaremos ainda o impacto das mudanças sócio-econômicas nos hábitos alimentares da sociedade e o papel da mídia, responsável por toda uma propaganda apelativa, cujo alvo geralmente é o público infanto-juvenil.


2 O PAPEL DOS GENES E DO MEIO AMBIENTE

Na perspectiva da evolução biológica os genes responsáveis pelo acúmulo de gordura não se desenvolveram para a grande oferta de todo o tipo de alimentos. Os genes para o possível desenvolvimento da obesidade existem para os longos períodos de escassez, ou seja, armazenar gordura para os períodos de fome. Daí resulta que há milhões de anos, as melhores chances de sobrevivência eram daqueles que conseguiam armazenar as maiores quantidades de gordura. Se um dia estes genes foram responsáveis pela sobrevivência, hoje se transformaram em verdadeiras ratoeiras para capturar e estocar gordura.

Hoje sabemos que um grande percentual de crianças desde a mais tenra idade possui as premissas genéticas para o acúmulo de gordura, porém o perigo reside no encontro de uma nutrição rica em gordura sob todas as suas formas e a falta de exercícios físicos para sua queima, o que gera um superávit da mesma, ocasionando o aumento da massa adiposa.

Mas o que mudou? Os genes continuam os mesmos, o que mudou foi a nossa relação com o meio ambiente. Podemos falar hoje da geração coca-cola e batata frita, que inclusive se infiltrou em nossas casas e escolas, cujas crianças vivem penduradas na televisão ou no computador, que movem a mão somente para o controle remoto, o joystick e o saco de chips.

A banalização do dia-a-dia nos prega peças, fato que pude comprovar com os meus dois filhos: Thomas Werner de 04 anos e Maria Letícia de 09 anos. Numa observação mais detalhada comprovei que ambos passavam em média 09 horas deitados, 09 horas sentadas e mal e mal 06 horas em pé e mesmo neste período os dois se movimentavam intensivamente por apenas cerca de uma hora; o que certamente prejudica o desenvolvimento de suas capacidades motoras e corporais.

Mas por que isso ocorre? Talvez porque não demos atenção suficiente para as coisas do cotidiano. Todos passam o dia inteiro correndo atrás da “máquina”, chegamos de noite em casa e, cansados, nos prostramos em frente à televisão ansiando por um lanche rápido, aquele sem muita mão-de-obra aonde os ingredientes já vem prontos. Atividades físicas com os filhos? Nem pensar. Quanto mais acomodados eles estão com os seus docinhos, salgadinhos e refrigerantes melhor. Impor limites? Muito menos. Há esta hora ninguém quer enfrentar birra de criança.

A conscientização da nossa práxis no cotidiano em relação aos nossos filhos leva inexoravelmente a uma reflexão e indagação: Será que não somos demasiados egoístas?

Além de egoístas, agindo desta forma estamos cometendo um verdadeiro crime para com nossos filhos, pois além de não interagirmos salutarmente com eles ainda os entupimos com coisas que terão sérios desdobramentos negativos em sua saúde. Para nós, enquanto pais deveriam valer a máxima: eu não quero para os meus filhos o que hoje eu não aceitaria se tivessem feito comigo.

Pois com a obesidade não é somente o corpo que sofre, mas as conseqüências terão sérios desdobramentos psíquicos negativos, resultado de todo tipo de discriminação e chacota por parte de seus colegas de idade, que leva fatalmente à frustração e depressão podendo causar um circulo vicioso, onde estas crianças podem desenvolver ímpetos de devorar tudo o que encontram pela frente.

É isto que queremos para os nossos filhos? A resposta é não. Nenhum pai ou mãe quer isto para os seus filhos. Mas então, porque agimos desta maneira? Talvez porque não consigamos enxergar problema algum em crianças rechonchudas somado ainda à falta de conscientização dos desdobramentos cruéis que a obesidade terá na vida destes seres.

Portanto é o meio ambiente em que estas crianças vivem o maior responsável pelos altos índices de obesidade, onde os pais e a realidade sócio-econômica são os fatores determinantes.


3 O PAPEL DO ESTADO, DA ESCOLA E DA FAMILIA NO CONTROLE DA OBESIDADE

Devemos pensar a merenda escolar não somente como meio para satisfazer as necessidades nutricionais do educando, mais do que isto, ela deveria ser pensada em primeira instância enquanto ferramenta pedagógica, já que é servida no ambiente escolar. Levando desta forma, à reflexão do corpo docente, merendeiras e nutricionistas, que a partir duma atividade integralizada com toda comunidade escolar promovendo o debate. Tendo sempre em consideração as peculiaridades regionais e os hábitos alimentares locais, para se chegar a uma alimentação realmente salutar, com vistas a um projeto arrojado, visando não somente a melhoria da alimentação na escola, mas também no próprio seio das famílias destes educandos, uma vez que fatores como desinformação, influência da propaganda televisiva, hábitos familiares e sociais desempenham funções determinantes nos hábitos alimentares da nossa sociedade e que é preciso mudar. Ou seja, cabe aos docentes no processo ensino-aprendizagem habilitar o educando enquanto intelectual orgânico, no sentido de agente transformador e inovador, interagindo e interferindo para a mudança da alimentação de sua própria família.

Portanto, é um erro ver a merenda escolar apenas no âmbito assistencial, como mera suplementação alimentar dada a parcela mais carente da população. Sob o prisma do assistencialismo, corremos o risco de escamotear todas as oportunidades reais, eximindo-nos da responsabilidade e o compromisso que temos enquanto educadores para propor mudanças neste espaço real de transformação, enclausurando-nos no pequeno mundo do comodismo, onde só o fato de pensar a respeito se torna um fardo, quanto mais mudar uma realidade. Quando na verdade esse espaço deveria servir enquanto ferramenta valiosa para promover a saúde da comunidade escolar e de seus familiares. Para que isso ocorra, toda a escola deve sentir-se motivada e comprometida a participar desse projeto.

É fundamental incorporar a alimentação dentro das escolas, como um tema fundamental e interdisciplinar. Assim como a criança precisa aprender matemática, português, também deve aprender sobre temas relacionados à saúde, para isso o educador precisa estar capacitado para passar informações sobre nutrição a seus alunos. Por outro lado, medidas precisam ser tomadas no sentido de regulamentar a propaganda que acaba influenciando o consumo de alimentos ricos em gordura e açúcar, cujo principal alvo é o público infantil.


3 POR UMA MERENDA COM QUALIDADE NUTRICIONAL

No ambiente da alimentação escolar, os educandos devem ser vistos como consumidores diferenciados, em que o maior apelo deveria ser o nutricional, resumido numa alimentação balanceada. Isso significa oferecer alimentos que, combinados, supram suas necessidades calóricas sem lhes causar qualquer espécie de transtorno posterior, como obesidade, distúrbios estomacais ou, até mesmo, úlceras. Esta combinação deve ser composta de saladas, cereais, verduras, carnes, lácteos, legumes e frutas.

É notório também que observamos certa resistência das crianças ao consumo de verduras, legumes, hortaliças e frutas. Porque na verdade não foram habituadas e incentivadas a consumir estes alimentos na sua própria casa, resistência esta que só pode ser vencida a partir de uma reeducação alimentar.

Infelizmente hoje, quando analisamos mais de perto a quantas anda nossa merenda escolar, somos obrigados a constatar que o tipo e a qualidade dos alimentos servidos deixam muito a desejar.

Para corroborar com o exposto, realizou-se um levantamento da merenda escolar servida durante manhã e tarde durante oito dias na Escola Municipal de Ensino Fundamental Pedro Álvares Cabral, no município de Vacaria-RS, cujo resultado foi o seguinte: dia 17/03/2007, sábado - café com leite e bolacha salgada; 19/03/2007, segunda-feira - café com leite e bolacha salgada; 20/03/2007, terça-feira – polenta, carne moída com molho, salada de repolho e suco de pêssego; 21/03/2007, quarta-feira – batida de banana e bolacha salgada; 22/03/2007, quinta-feira – quirera com carne moída, feijão e suco de uva; 23/03/2007, sexta-feira – arroz, carne moída ao molho com batata, lentilha, suco de uva e maçã só no período da tarde; 26/03/2007, segunda-feira – arroz doce; 27/03/2007, terça-feira – cachorro-quente e suco de pêssego.

Percebemos claramente que os itens responsáveis no fornecimento de micronutrientes ao organismo, como as vitaminas, estão praticamente ausentes neste tipo de alimento, com exceção da carne, repolho, suco de pêssego, batida de banana e maçã. Nota-se também que durante esse período tivemos somente uma vez salada e fruta, quando na verdade estes itens entre outros deveriam fazer parte diária do cardápio. Percebemos ainda uma alimentação muito pobre em carboidratos e proteínas e por outro lado excesso de lipídeos, uma vez que no preparo dos molhos utilizou-se grande quantidade de gordura de origem vegetal.

Num país que, 40% da população está acima do peso e pouco mais de 10% são obesos, conforme divulgação do próprio Ministério da Saúde em 2006, percebemos claramente um movimento de transição, de um quadro de desnutrição para o sobrepeso e a obesidade. Isso sem dúvida ocorre pelas mudanças nutricionais. Cada vez mais a população consome alimentos industrializados, ricos em gordura e açúcar, influenciados principalmente pela mídia e os hábitos alimentares dos americanos na forma dos fast foods (lanches rápidos). Poderíamos resumir originariamente nossa cultura alimentar em arroz e feijão, mas há um número expressivo de crianças que não estão mais ingerindo esses alimentos.

Ainda no âmbito da alimentação escolar, seria importante introduzir o consumo de pescado e seus derivados na merenda, já que o maior apelo deveria ser o nutricional e segundo Oetterer (2002, p. 35-36):

Ao se comparar peixes com outras carnes, pode-se constatar, por exemplo, que as trutas apresentam 3,4% de lipídeos, 0,6 g/100g de saturados, 1,0g/100g de monoinsaturados e 2,2g/100g de poliinsaturados (sic), sendo 0,1mg/100g de EPA e 0,4mg/100g de DHA, além de 57mg/100g de colesterol. A carne de frango tem 14,8% de lipídeos, 4,2g/100g de saturados e 3,2g/100g de polinsaturados, não apresenta o EPA e o DHA e contém 90mg/100g de colesterol.
Além disso, sabemos da presença dos ácidos graxos (ω3, ω6 e ω9), principalmente nos óleos de peixes marinhos e ainda segundo Oetterer (2002, p. 36), “[...] estudos recentes atribuem a este alimento a proteção contra doenças vasculares, reduzindo níveis séricos (sic) de colesterol, sendo 15g/dia o consumo conveniente para contrabalancear fatores de risco”.

Levando-se em consideração o consumo de pescado no país, que é estimado em 6,8 kg per capita, índice muito baixo se comparado com outros países e ainda dos potenciais hídricos que estão disponibilizados, é chegado a hora de unir esforços para promover e incentivar o consumo do pescado, começando a partir da escola. O peixe deveria estar presente na merenda escolar no mínimo uma vez por semana. Pois no pescado o consumidor encontrará muito mais vantagens nutricionais do que em qualquer outra carne ou mesmo alimento de origem animal, como por exemplo a presença de todos os aminoácidos essenciais, o alto teor de lisina, a alta digestibilidade protéica, e entre outros, o baixo teor de colesterol, fazendo dele um alimento nutricionalmente bom.


4 CONCLUSÃO

Concluímos, que a alimentação no ambiente escolar deveria ser utilizada como ferramenta pedagógica transformadora dos hábitos alimentares da comunidade em geral, onde o educando desempenharia papel de multiplicador dessa nova visão nutricional. Onde a merenda escolar deveria ser o princípio dessa mudança com a melhoria de sua composição.

Percebemos uma mudança substancial nos hábitos alimentares da população brasileira, influenciada pela cultura americana, a propaganda apelativa e em parte pela situação sócio-econômica da população, que está contribuindo para um movimento de transição para o sobrepeso e a obesidade.

Segundo levantamento realizado, o papel da merenda escolar não está contribuindo para mudanças de hábitos alimentares e muito menos colaborando para a reeducação alimentar dos escolares, passando a impressão que o governo, tanto na esfera federal, estadual e municipal se utiliza dela enquanto propaganda demagógica. Pois se ela realmente fosse usada dentro dos princípios nutricionais necessários, sua composição seria mais rica em cereais, frutas da estação, saladas, legumes, carnes, lácteos e menos calóricos.

Vimos também a importância do consumo do pescado e definitivamente concluímos que ele deveria fazer parte do cardápio semanal da merenda escolar.


5 REFERÊNCIAS

OETTERER, M. Industrialização do Pescado Cultivado. Guaíba: Agropecuária, 2002.

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